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Channel: Bibliotecário de Babel » Paulo Tavares
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Quatro poemas de Paulo Tavares

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Em berlim, o inverno dura sete
ou oito meses, e dizes que a cidade,
ainda um pouco provinciana nos
seus tiques bipolares, vive e brilha
para os meses de verão. no centro,
os corvos propagam-se em redor
da catedral – e por esta altura,
na cidade materna, são os pombos
e alguns melros que se aglomeram
nas praças e nos jardins quase desertos,
como uma praga de pássaros um pouco
mais silenciosos. dizes que é impossível
um bater de asas no exílio, ou tirar
uma fotografia sorridente junto ao muro
de berlim. e no entanto, vendo-as
mais de perto, com a democrática
garantia de que nenhum monumento
se abate duas vezes sobre um corpo,
todas as caras sorriem para a objectiva.

***

Não é, na verdade, azul
este lamacento danúbio,
mas olhando-o da ponte,
depois do mercado central,
é possível ver afundada
a narrativa que nos precede:
os tanques capotados ao longo
de estradas sem rumo, a ascensão
dos movimentos estéticos,
os campos silvestres e os campos
de morte. e empilhada sobre
tantas outras, uma porta ao canto:
símbolo sem transposição.

***

No tuschinski, a árvore
da vida e o riso adolescente
de duas recém-ganzadas.
é inevitavelmente dupla
a perspectiva que encontra,
com subtis forças de atrito,
a origem da matéria finita:
alguém que se perde, um olhar
que arrefece, e a densidade
do real como uma dor crónica
no momento exacto da revelação.

***

No restaurante italiano
da greek street, soho londrino,
as bocas trituravam lentamente
a comida em intervalos cíclicos
de nostalgia: falavam de regimes,
métodos e soluções – e vindo
cobertas por uma fina camada
de novos polímeros, as ruas,
frias e seculares, desembocavam
ao redor das mesas, servindo
os referenciais do esquecimento
que crescem nos poros
das grandes estruturas vivas.

[in Capitais, edição do autor, 2012]


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